“Daniel ou Gloria. Pode me chamar como quiser —ou só de GG.”
A primeira resposta do cantor Daniel Garcia em entrevista à coluna sintetiza a diversidade de sua trajetória artística. Ator, músico e dublador, ele começou na arte ainda criança, mas foi quando se transformou na drag queen Gloria Groove — identidade que assumiu há cerca de dez anos — que passou a ser uma estrela nacional.
Aos 30 anos, Gloria, como os brasileiros se acostumaram a tratar a drag queen, conta que experimenta transformações profundas na terceira década de sua vida: autoconhecimento, desejo de ser a própria melhor amiga e coragem para desagradar e expressar emoções de forma mais visceral. É desse último impulso que nasceu o projeto de shows de pagode “Serenata da GG”, que completa um ano em junho, mês do orgulho LGBTQIA+, e deu origem a um álbum com o mesmo nome.
O primeiro aniversário do projeto será comemorado com um show temático do Dia dos Namorados em São Paulo, em 13 de junho, no Espaço Unimed.
“Eu celebro muito sentimento nessa era, nesse show e nesse álbum como um todo porque acho que negligenciei meus sentimentos por muito tempo. Por trás de todo esse filtro glorioso pelo qual eu escolho viver a minha arte, vive um rapaz que teve uma infância difícil por sempre ter sido um homem gay afeminado tendo o romance e os sentimentos como coisas distantes das minhas possibilidades.”
Ela diz ter aprendido a importância de declarar seus sentimentos àqueles com quem descobriu o que é o amor: seus amigos e sua família. “Só depois de todo o turbilhão de coisas que eu quis fazer para me salvar, entendi que a salvação veio por meio do amor das pessoas. Decidi que precisava dar flores para todo mundo em vida.”
A cantora afirma que a maturidade trouxe seletividade. Ela tem escolhido melhor os trabalhos dos quais quer ou não participar.
“A gente vai perdendo o medo do que vão pensar. Gosto de sentir esse clima de colaboração quando estou trabalhando com alguém. E gosto também de sentir esse medinho do desconhecido.”
“Serenata da GG” é uma ode ao pagode. Filha de Gina Garcia, ex-backing vocal do grupo Raça Negra — um clássico brasileiro da década de 1990 —, a infância de Gloria se cruza com a história do gênero no país.
Ela costuma declarar publicamente que os integrantes do Raça Negra são como seus tios. Criança, acompanhava ensaios, shows e via a mãe cantando as músicas em casa ao se preparar para apresentações.
“Duas coisas que mostram muito a influência da minha mãe na minha carreira [nesse projeto] são o clima ultra romântico, característico desse auge do pagode, e também a construção das ‘Serenetes’ —esse grupo de mulheres no vocal de apoio que eu inventei para celebrar essa função que eu vi ela desempenhando por tantos anos.”
O espetáculo é descrito por Gloria como “um show para pessoas que sentem muito”. Apesar de não se considerar ultrarromântica na vida pessoal, a artista afirma que a música é seu instrumento de expressar amor.
“A primeira vez que consegui me declarar para o Pedro Luiz [com quem é casada há dez anos] foi nesse novo projeto. As músicas que fiz para ele são: ‘Dom da Vida’ e ‘Linguagem do Amor’. É a sensação de ter registrado nosso amor para sempre, de um jeito que é muito mais do que tirar e guardar uma foto.” Em um ambiente dominado por homens heteronormativos, a drag queen acredita estar reinventando o espaço do pagode.
“A pergunta mais forte que a gente pode fazer sempre é: por quê? E logo em seguida: por que não? Internamente também significa que estou rompendo com as minhas próprias barreiras de como eu consigo criar e fazer a minha arte ganhar mais camadas”, afirma.
Em 2022, dois anos antes do projeto “Serenata da GG”, ela lançou o álbum de funk “Lady Leste”, que nasceu das vivências que teve na periferia da zona leste de São Paulo durante a juventude. Foi quando emplacou o hit “A Queda” nas paradas da Billboard.
Eclética, Glória costuma transitar entre diferentes gêneros musicais. Além do álbum de funk, já cantou pop, R&B e até rap. Ela diz que, entre todos os estilos, o preferido são os cantos melódicos.
“Se tem uma coisa que percebi nos últimos anos é que não importa o que eu esteja fazendo: a minha voz é o que é por conta da influência do R&B e do gospel que ouvi nos meus anos na igreja.”
Ela, que na última eleição presidencial usou um collant com o número 13 nas costas— em referência ao atual presidente Lula— durante a sua apresentação no Lollapalooza, diz acreditar que performar como drag é, por si só, um ato político. “Isso [ser drag queen] acaba ressignificando toda a minha trajetória, desde a criança que eu fui. É como se eu pudesse finalmente sair para brincar de boneca na frente de todo mundo sem me preocupar”, diz.
“Estou sempre desafiando os limites do que é possível para alguém como eu, do que é possível para uma drag queen,para um homem gay afeminado. E isso com certeza é político. E eu sei que isso muda a vida de muitas pessoas.”
Questionada se pretende repetir o apoio ao atual presidente em 2026, Gloria se esquiva de uma resposta direta. E diz que no ano que vem está preocupada em “criar cada vez mais, entrar em estúdio, viajar o mundo e desbravar a própria arte”.
Em março de 2025, Gloria foi chamada para fazer uma participação especial na novela “Garota do Momento” da Rede Globo. Interpretou um cantor, o personagem Waldemar Santo. Sobre outros projetos sem vestir a pele de Gloria Groove, diz que tem vontade de trabalhar mais vezes como ator e acha que convive bem com os dois universos.
“Amo meu trabalho como Gloria Groove e, por mais que esteja há quase dez anos fazendo isso, realmente sinto que estou apenas começando. Adoro me expressar para o mundo com brilho, com cores, com glamour, e quero ter essas coisas na minha vida até o último dia em que estiver nesse mundo. As minhas duas carreiras [de ator e drag queen] podem acontecer ao mesmo tempo.”
Por enquanto, diz que está mesmo é focada em chegar a São Paulo— está em turnê— para testar o novo formato do Serenata da GG e depois dividir o line-up com os tios de consideração (o grupo Raça Negra) no festival Turá, que também acontece no mês de junho.
“Meus fãs de São Paulo são muito fiéis. São pessoas que me acompanham desde quando eu cantava na boate. E agora a gente conquistou e ocupa novos espaços.”
noticia por : UOL