Após o colapso do império soviético, entre 1989 e 1991, analistas do mundo todo refletiram sobre as causas. O veredito foi claro: a paciente sucumbiu a um “socialismo terminal”, doença caracterizada por economia atrasada, escassez generalizada e ausência de competição — tanto na vida política quanto econômica. Poderosos movimentos internos de resistência, como o “Solidariedade”, na Polônia, incentivados pela liderança firme de Ronald Reagan, Margaret Thatcher e do papa João Paulo II, ajudaram a pôr fim ao regime. O Estado de fato “desapareceu” — mas não da forma que o falso profeta Karl Marx previra.
O papel desempenhado pela música nesse processo, em especial pelo rock & roll, é menos compreendido. O historiador norte-americano Larry Schweikart sustenta, com bons argumentos, que o gênero, entre as gerações mais jovens, ajudou a enfraquecer a lealdade inquestionável exigida por regimes autoritários. Segundo ele, o poder da música não estava nas letras, mas na estrutura: “A liberdade do rock & roll como forma musical”.
Embora envolva um grupo tocando coletivamente, o que impressionava os ouvintes era a individualidade dos integrantes. A banda acompanhava Bruce Springsteen, por exemplo, mas era ele quem se destacava e capturava a imaginação dos jovens fãs. Em sociedades onde a propaganda ensinava que o coletivo era mais importante do que o indivíduo, isso era revolucionário.
A individualidade é a toxina que a música injeta no sistema totalitário. Por mais que tente, o regime acaba por não resistir a ela. Schweikart cita uma frase do último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev:
“Conseguíamos manter os livros do lado de fora. Conseguíamos manter a televisão do lado de fora. Mas não conseguíamos manter o rock ‘n’ roll do lado de fora. O rock ‘n’ roll foi fundamental para derrubar o comunismo.”
Na China comunista, ocorreu algo semelhante — embora não tenha levado à queda do regime, ao menos não até agora. Um dos ícones dessa transformação cultural foi Teresa Teng 鄧麗君 (1953–1995), estrela pop de Taiwan.
Com uma carreira de quase três décadas, Teng tornou-se a principal cantora asiática do período, mesclando estilos orientais e ocidentais em uma sonoridade própria. Nenhum outro artista da região alcançou fama comparável nas décadas de 1980 e 1990.
Superestrela absoluta, gravou mais de 1.700 músicas e vendeu cerca de 48 milhões de álbuns. Suas canções românticas, interpretadas com um novo estilo de “canto com respiração”, rompiam com o modelo coletivista das músicas oficiais, voltadas à glorificação do Estado.
A música de Teng começou a ser pirateada na China continental ainda na década de 1970, e rapidamente ganhou espaço, especialmente entre os jovens, da mesma forma que o rock & roll minava os alicerces da Cortina de Ferro na Europa.
Um de seus sucessos mais conhecidos, “The Moon Represents My Heart” (“A lua representa meu coração”), lançado em 1977, foi amplamente difundido — mesmo sendo cantado em mandarim, idioma que facilitava seu alcance no continente. O impacto foi tal que muitos apontam esse momento como o início do culto à música pop chinesa.
Os setores linha-dura do Partido Comunista Chinês perceberam rapidamente a ameaça. Teng não era apenas de Taiwan — ilha que Pequim considera uma província rebelde —, mas sua música celebrava o indivíduo em detrimento do Estado. Embora suas letras raramente fossem explicitamente políticas, falavam, em termos vagos, sobre liberdade. Isso bastava. Sua música foi proibida na China durante anos.
Em paralelo, a morte de Mao Tsé-Tung em 1976 abriu caminho para uma nova geração de reformistas liderada por Deng Xiaoping. Tornando-se o principal líder do país em 1978, Deng — a exemplo de Gorbachev na União Soviética — reconheceu que o socialismo precisava de reformas. Sob o lema “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace ratos”, adotou políticas de abertura econômica, incentivo à iniciativa privada e maior exposição à cultura estrangeira — a chamada “Política das Portas Abertas”.
Nessa época, a música de Teresa Teng já circulava amplamente nos mercados paralelos da China. Incapaz de conter o fenômeno, o governo suspendeu a proibição na metade da década de 1980. Sua popularidade explodiu. Uma piada comum dizia que, de dia, os chineses escutavam “o velho Deng”; à noite, preferiam “a pequena Teng”.
Em junho de 1989, a repressão violenta aos protestos estudantis na Praça da Paz Celestial (ou Tiananmen) marcou uma virada sombria. Milhares de estudantes haviam ocupado a praça principal de Pequim por semanas, exigindo mais liberdade e o fim do monopólio comunista de partido único. Teresa Teng apoiou os manifestantes à distância, chegando a se apresentar para 300 mil pessoas em Hong Kong em sua defesa. Mas, como se sabe, Deng Xiaoping ordenou a repressão militar, que deixou ao menos mil mortos e muitos presos.
Teng jamais se apresentou na China continental. Após o massacre, declarou que só cantaria ali quando as “duas Chinas” — a República Popular da China e Taiwan — estivessem unidas pela liberdade, não pelo comunismo.
Além de superestrela, Teresa Teng foi uma filantropa ativa, destinando recursos a causas diversas: desde sistemas de água potável na Tailândia até ajuda humanitária em desastres e outros projetos em vários países. Para o regime chinês, isso era mais um problema. Na visão oficial, ajuda humanitária deve partir do Estado — não de indivíduos bem-sucedidos e “gananciosos”.
Como primeira vocalista de língua chinesa a alcançar reconhecimento e influência internacional, Teng abriu caminho para outros artistas asiáticos. Sua fama tornou-se global. Países como Rússia, Serra Leoa, Mali, Guiné-Bissau, Granada e diversos asiáticos chegaram a emitir selos postais em sua homenagem. Suas músicas ainda têm grande aceitação em todo o mundo.
Teresa Teng morreu precocemente aos 42 anos, vítima de uma grave crise de asma enquanto estava na Tailândia. Sua morte causou comoção em toda a Ásia, mas o espírito de sua música permanece. Quando, um dia, os povos submetidos ao autoritarismo de Pequim forem libertados, é possível que se olhe para trás e se reconheça: Teresa Teng foi uma das vozes que ajudaram a tornar essa liberdade possível.
©2025 FEE – Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês: The Inspiring Teresa Teng
noticia por : Gazeta do Povo