As atrocidades do regime chinês que Gilmar Mendes tanto admira 

Segundo o último relatório da Freedom House, o mundo tem 85 países plenamente livres. Outros 51 receberam a classificação de parcialmente livres. Mas o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, prefere se inspirar em um dos 59 não-livres: a China.

Na sessão desta quarta-feira (11) em que o tribunal discutia a responsabilização das plataformas de rede social por conteúdo publicado por usuários, ele disse que admira o regime chinês — e ainda usou a primeira pessoa do plural.

Mendes falava sobre a necessidade de um órgão que regule as redes sociais. “Eu não me animo muito a tentar definir a natureza dessa entidade. Acho que é um consenso entre nós de que é preciso uma entidade. Isso é fundamental. Um pouco na linha… nós todos somos admiradores do regime chinês, do Xi Jinping, que diz assim: ‘A cor do gato não importa, o importante é que ele cace o rato’”, afirmou o ministro. 

Até agora, nenhum ministro do STF se pronunciou para se retirar do “nós”.

Mendes foi apenas corrigido pelo ministro Luís Roberto Barroso em uma imprecisão histórica: a frase sobre gatos e ratos na verdade é de Deng Xiaoping, a figura mais influente do Partido Comunista Chinês entre o fim da década de 1970 e o começo da década de 1990.

Mas o argumento de Gilmar Mendes permanece: o de que o modelo da ditadura chinesa deveria inspirar a regulação nas redes sociais no Brasil.

Censura e partido único

A China não tem um Gilmar Mendes. No papel, o país possui Suprema Corte, mas ela está subordinada aos interesses do Partido Comunista. Os membros do tribunal não têm o poder de contestar a autoridade do Executivo. Entre 142 países, a China aparece na posição de número 132 quando o critério é “Restrições ao poder governamental”, no Índice de Estado de Direito elaborado pelo World Justice Project.

O país também não é exemplo de liberdade de expressão. De zero a 100, a China tem nota nove nos dois quesitos principais do levantamento da Freedom House: liberdade global e liberdade na internet. O Brasil tem notas 72 e 65, respectivamente.

Segundo a entidade, a China não apenas é uma ditadura, mas tem mergulhado ainda mais fundo no autoritarismo. “O regime autoritário da China tem se tornado cada vez mais repressivo nos últimos anos. O Partido Comunista Chinês (PCC), que está no poder, continua a reforçar o controle sobre todos os aspectos da vida e da governança, incluindo a burocracia estatal, a mídia, a expressão online, a prática religiosa, as universidades, as empresas e as associações da sociedade civil”, diz a Freedom House em seu relatório de 2025. 

No critério de Liberdade Política, a China conseguiu o impossível: quebrou o próprio sistema de pontuação da Freedom House. Numa escala de 0 a 40, a China é tão repressiva que a sua pontuação é de 2 pontos negativos. 

Fundada em 1941, a Freedom House é uma das organizações internacionais mais importantes na defesa da democracia. Mas outros grupos que analisam o nível de liberdade global chegaram a conclusões semelhantes.

Por exemplo: no relatório V-DEM, organizado por pesquisadores da Universidade de Goteburgo, na Suécia, a China é classificada como “autocracia fechada” — a categoria na qual estão regimes como Arábia Saudita, Coreia do Norte e Afeganistão. Estas são ditaduras nas quais não existe nem mesmo um simulacro de liberdade política.

Na mesma publicação, Japão e a Itália são classificados como “democracias liberais” (o nível mais elevado) e o Brasil aparece como “democracia eleitoral”. Países como Iraque, Egito e Rússia receberam o rótulo de “autocracias eleitorais”. Estes são regimes que, embora autoritários, ainda têm resquícios de eleições competitivas. Na China, nem isso existe.

Redes sociais bloqueadas

A nota da China nos levantamentos da Freedom House e do V-DEM não veio por acaso.

O sistema político chinês tem muito pouco em comum com um regime democrático.

O país é governado por um partido único desde 1949. A liberdade de expressão é fortemente limitada pelo governo, inclusive nas redes sociais. Plataformas praticamente universais, como Google, YouTube, Facebook e X são bloqueadas no país, que desenvolveu um sistema complexo de bloqueio conhecido como o “Grande Firewall da China”.

As redes sociais permitidas são permanentemente monitoradas pelo regime, que aprimorou os mecanismos de vigilância digital na última década.

Na prática, a China tem não um, mas três órgãos com poder de censura: o Ministério da Indústria da Informação, o Conselho Estatal de Informação e o Departamento de Propaganda do Partido Comunista.

Perseguição religiosa

A liberdade religiosa tampouco existe. O governo chinês arrogou para si o papel de escolher os bispos católicos, e tem impedido a construção de igrejas cristãs em muitas partes do país. Os uigures, uma minoria muçulmana, têm sido perseguidos e enviados para campos de concentração.

Segundo um extenso relatório da Anistia Internacional, publicado em 2021, a China “tem cometido abusos massivos e sistemáticos contra muçulmanos que vivem na Região Autônoma Uigur de Xinjiang”.

Um relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos chegou a conclusões semelhantes e identificou um padrão de “restrições severas e indevidas a um grande número de direitos humanos”. 

Para especialista, China não pode ser exemplo

O cientista político Márcio Coimbra, que é CEO da Casa Política e presidente-executivo do Instituto Monitor da Democracia, diz que o Brasil deveria se inspirar em países democráticos.

“Se a gente for beber na fonte de outro país, de países democráticos, com Estado de Direito e instituições consolidadas dentro de um modelo de liberdades”, ele afirma.

“Nós não podemos basear qualquer tipo de regulação em países autocráticos, porque eles não dialogam com os mesmos valores da nossa Constituição, que assegura a liberdade e a democracia”, Coimbra complementa.
No caso em discussão no STF, a corte já formou maioria para que as empresas donas das redes sociais sejam responsabilizadas criminalmente pelo conteúdo publicado por usuários dessas plataformas.

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noticia por : Gazeta do Povo

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