Dos tantos aspectos típicos da paisagem alemã, um talvez passe batido pela maioria dos visitantes. É difícil não encontrar um Reisebüro, agência de viagens, em centros urbanos do país, mesmo em cidades pequenas. Pois os escritórios de vitrines coloridas, com imagens de lugares exóticos e miniaturas de avião, estão cada vez mais preocupados com o destino preferido dos alemães. O governo de Donald Trump, mostram os números, parece estar desestimulando viagens de turismo para os EUA.
De acordo com as últimas estatísticas disponíveis do Departamento de Comércio americano, as viagens de alemães para o país caíram 8,5% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado. A marca negativa só é superada por cidadãos de Coreia do Sul (-16,5%), Colômbia (-12,7%) e China (-11,1%), entre os 20 países que mais procuraram os EUA com visto de turista. No total, os americanos viram recuo de 0,7% dos viajantes a passeio em fevereiro, ante um aumento de 6,2% registrado no mês de janeiro.
Em 2024, quase 2 milhões de alemães fizeram turismo nos EUA, ocupando a quinta colocação do ranking, um pouco à frente dos brasileiros, com 1,9 milhão. Neste ano, até fevereiro, o Brasil está em segundo na lista, com 337 mil (+4,4%), enquanto a Alemanha caiu para oitavo, com 192 mil (-5,2%).
Ainda que as nacionalidades envolvidas sugiram alguma relação, como o fato de França (-5,6%) e Holanda (-7,9%) também terem apresentado queda em fevereiro, seria ainda prematuro relacionar o recuo à chegada de Trump à Casa Branca. O governo alemão, porém, contribuiu para a interpretação no mês passado ao modificar suas recomendações de viagem para os EUA.
O novo texto do Ministério das Relações Exteriores reforça trechos que talvez soem banais para ouvidos brasileiros, como o visto no passaporte não garantir entrada e que a palavra final sempre será dos agentes de fronteira. Ao mesmo tempo, faz recomendações para pessoas transgênero procurarem os serviços consulares antes de embarcar. Os cadastros americanos, incluindo o sistema Esta, que facilita a entrada de cidadãos de nacionalidades isentas de visto, agora só permitem os gêneros masculino ou feminino.
Outros países europeus, como Dinamarca, Finlândia e Reino Unido, tomaram providências parecidas, alguns pressionados por ativistas LGBTQIA+.
Além da cruzada contra transgêneros, ganharam destaque na imprensa casos de deportação de alemães, algo inusual na relação dos dois países. Fabian Schmidt, 34, engenheiro que vivia nos EUA desde 2007 e tinha green card, foi barrado pela imigração americana ao voltar de uma viagem para Luxemburgo.
Ele foi detido e, segundo familiares, interrogado de maneira violenta. Autoridades americanas afirmam que o relato é exagerado, mas não explicaram as razões para barrá-lo. Schmidt acabou sendo transferido para um hospital após sofrer um colapso por falta de medicamentos.
Semanas antes, dois turistas alemães com visto já haviam sido presos por tentarem retornar aos EUA por fronteiras terrestres. Um se atrapalhou com o inglês ao ser interrogado e acabou detido por duas semanas. Outra, uma tatuadora, ficou presa por seis semanas, incluindo nove dias em uma solitária, segundo ela. O centro de detenção nega que a tenha colocado em isolamento. Os dois já foram repatriados.
Casos semelhantes se sucedem em outros países. Um cientista francês teria sido barrado porque seu telefone, vasculhado, continha comentários sobre as políticas de Trump. Autoridades americanas negaram tal motivação.
Agências de turismo afirmam que o planejamento de viagens dos alemães demanda decisões de longo prazo e que o efeito Trump está sendo superestimado. Dois escritórios especializados em viagens para os EUA, no entanto, afirmaram ao jornal econômico Handelsblatt que a procura despencou desde a posse do republicano, em janeiro.
O noticiário sobre deportações reflete uma onda de antiamericanismo que se espalha pela Europa. A exemplo do que ocorre no Canadá, bombardeado por tarifas e ameaças de anexação, há campanhas de boicote de produtos e marcas dos EUA. As vendas da Tesla recuam no continente, que também registra episódios de violência. Na Itália, na última semana, 17 carros foram incendiados em uma concessionária da marca em um subúrbio de Roma. Musk classificou o ato como terrorismo.
O tarifaço anunciado pelo presidente americano na quarta-feira (2) e suas consequências, ao que tudo indica, devem alimentar o fenômeno.
A Alemanha digere mal também as seguidas interferências de Trump e aliados na política interna do país. Elon Musk fez campanha para a AfD, o partido de extrema direita alemã, nas eleições de fevereiro, e o vice J. D. Vance afirmou na Conferência de Munique, dias antes do pleito, que o maior problema da Europa era na verdade a contenção do discurso populista, que chamou de liberdade de expressão, não a Rússia.
A manifestação de Vance desencadeou um movimento do futuro primeiro-ministro, Friedrich Merz, que culminou na aprovação do maior pacote de estímulo na Alemanha desde a reunificação, focado em gastos de defesa e infraestrutura.
Segundo pesquisa do Instituto Allensbach, 82% dos alemães acreditam que a Europa e os EUA estejam se afastando; 67% afirmam que os riscos das políticas de Trump para o continente são semelhantes às de Vladimir Putin; e 55% da população concordam com a frase ‘Donald Trump realmente me assusta’.
noticia por : UOL