A hidrelétrica de Belo Monte, uma das obras de infraestrutura mais caras do país, estimada em R$ 40 bilhões, não foi capaz de produzir melhoras na realidade social e de segurança do município onde foi erguida.
Altamira, no Pará, é hoje uma cidade que sofre com a atuação de facções criminosas e está “cercada por atividades ilegais, como o desmatamento, garimpo, caça e pesca ilegais, que não apenas degradam o meio ambiente, mas também geram conflitos sociais e violam os direitos das comunidades indígenas e ribeirinhas”.
Quem diz isso não são organizações socioambientais, lideranças indígenas ou ribeirinhos. É a própria concessionária Norte Energia, dona de Belo Monte, que admite o total descontrole no entorno de suas barragens erguidas no rio Xingu, na amazônia, e pede socorro às autoridades.
A Folha teve acesso a uma carta de 17 páginas que o presidente da Norte Energia, Paulo Roberto Ribeiro Pinto, encaminhou ao Ministério de Minas e Energia, em 12 de dezembro. No documento, ele descreve um cenário de perigos e instabilidades sociais, que expõe, por sua vez, a incapacidade de o empreendimento bilionária promover desenvolvimento ao próprio município em que está sediado.
No intuito de convencer o governo a enviar, mais uma vez, agentes da Força Nacional de Segurança Pública para o município, a concessionária detalha a disputa das organizações do crime. O pedido foi atendido pelo governo.
“O controle territorial exercido por facções criminosas, como o Comando Classe A (‘CCA’), que disputa território com o Comando Vermelho (‘CV’), agrava ainda mais a insegurança, afetando diretamente a vida cotidiana dos moradores e a segurança das operações na usina”, diz a concessionária, que ressalta que o PCC também têm presença na região, intensificando a violência e os riscos para os ativos estratégicos do setor energético.”
Para corroborar seu alerta, a Norte Energia recorre a dados que mostram o aumento da violência na região, lembrando que, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Altamira “está entre as regiões com maiores taxas de mortes violentas”.
Em 2022, Altamira ocupou a 7ª posição do ranking das 50 cidades mais violentas em mortes intencionais do país, considerando municípios com população acima de 100 mil. Em 2010, quando Belo Monte recebeu a sua licença para ser construída, o município —a 800 km de Belém— não figurava neste ranking.
A Norte Energia fez questão de destacar, em negrito, que o município ocupou a “28ª posição” em 2023, entre aquelas que apresentaram as maiores taxas de estupro no país.
A concessionária ainda relaciona a situação à proximidade da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que ocorre em novembro na capital paraense.
“A Conferência de alcance global, que mobilizará líderes internacionais, organizações ambientais e a sociedade civil, aumenta significativamente o risco de manifestações, vandalismo e invasões”, diz a empresa. “A fragilidade da segurança pública local, aliada ao contexto de grande visibilidade da COP 30, potencializa a mobilização de movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs) e grupos indígenas”.
A conclusão é de que “qualquer interrupção ou incidente em Belo Monte durante a realização da COP 30 teria implicações negativas na imagem do país”.
Questionada, a Norte Energia declarou que não vai se manifestar.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública confirmou que autorizou o envio de agentes da Força Nacional. A atuação, segundo a pasta, ocorrerá “em apoio aos órgãos de segurança pública federais e estaduais”.
A Folha procurou a Prefeitura de Altamira e o Governo do Pará, mas não houve retorno.
A previsão é de que o efetivo da Força Nacional inicie o deslocamento para a região nos próximos dias. Ainda segundo o Ministério da Justiça, já tratativas com a pasta de Minas e Energia “para definir aspectos operacionais, como o contingente a ser empregado e outras providências logísticas”.
O Ministério de Minas e Energia informou que o pedido de agentes para o local tem sido feito desde janeiro e, em março, houve “ameaça de invasão nas instalações” da usina. “O MME reafirma seu compromisso com a garantia da segurança e da confiabilidade no fornecimento de energia elétrica no país, no cenário atual e futuro”, disse a nota.
Belo Monte é a maior hidrelétrica 100% brasileira e 4ª maior do mundo. A Norte Energia ressalta, no documento obtido pela reportagem, que seu papel não é fazer segurança pública, e sim gerar energia.
A defesa pela construção do projeto, no entanto, sempre passou pela promessa de que haveria geração de riqueza e melhoria das condições de vida da população local. Para além da violência, a região da Volta Grande do Xingu, que teve cerca de 100 km de rio desviado para encher o reservatório principal da usina, convive há anos com problemas de abastecimento de água.
A concessionária afirma que entregou 117 projetos que reúnem mais de 5.000 ações socioambientais. Um pacote ao custo de R$ 6,3 bilhões. Segundo a empresa, seis novos bairros foram criados para receber 4.000 famílias realocadas, além de garantirem benefícios a 4.827 indígenas.
A dona de Belo Monte alega que, entre 2016 —início da operação— e 2023, pagou R$ 1,07 bilhão em royalties que são divididos entre municípios, estado e União. A empresa diz ter investido em tecnologia, vigilância e protocolos de segurança.
“Apesar das medidas preventivas e estruturais já implementadas pela Norte Energia, os incidentes recorrentes demonstram que o aparato atual é insuficiente para garantir a segurança plena da UHE Belo Monte e seus colaboradores”, afirma a concessionária, “especialmente quando há envolvimento de grupos organizados e facções criminosas.”
noticia por : UOL