Quase todas as regiões de saúde do Brasil (99%), ao longo de 2024, alcançaram a meta de profissionais —entre médicos e não médicos—, nas unidades de atendimento primário de saúde, um para cada 3.500 habitantes. No entanto, a área enfrenta alta rotatividade dos formados em medicina, 33,9% de desligamentos. O destaque fica para a saída dos que atuam em saúde da família e em regiões com menor desenvolvimento econômico.
Apesar de a cobertura nacional ter avançado, as distorções pelo país são flagrantes. Enquanto no Piauí 98% das unidades tenham a proporção de médicos considerada adequada para a saúde primária, no Amapá ela é de 53%.
Em relação à distribuição pela população, na atenção primária, Santa Catarina tem a melhor média (3,15 para 3.500) e o Distrito Federal a pior (1,2 para 3.500).
Os dados são de estudo da Umane, organização que fomenta iniciativas no âmbito da saúde pública, e do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, com base em indicadores de fontes nacionais como o Datasus, IBGE, Sisvan, Ipea e outros.
Os pesquisadores demonstram relação entre pobreza e fuga de profissionais médicos cruzando informações de PIB regional, com dados de 2021, com os desligamentos.
Em estados menos desenvolvidos, como a Paraíba e o Rio Grande, os índices de rotatividade são de 36,4% e 34,4%, respectivamente. Já no Espírito Santo e no Rio de Janeiro ficaram em 22,17% e 26,18%.
“Temos que olhar por que que os médicos estão saindo, nos debruçar sobre isso. Será que de fato existe uma política de valorização da atenção primária e com a força de trabalho junto? Existe resistência a trabalharem em alguns lugares?”, diz a médica de família e comunidade, uma das autoras do estudo e pesquisadora do FGVsaúde, Marcella Abunahman.
Segundo ela, as faculdades de medicina já estão aplicando há vários anos a disciplina de atenção primária de saúde em todos os semestres, obrigatoriamente, e o Ministério da Saúde tem se movimentado para estimular a profissionalização e especialização na área.
“O estudante começa observando, vivenciando e entendendo o que é, até efetivamente sair da faculdade já atendendo e conhecendo muito bem o sistema. Durante muito tempo não existia esse campo de vivência, o médico era formado para ser especialista”, afirma.
Para os pesquisadores, um dos fatores que apontam para a qualidade da atenção primária em saúde é o tempo dedicada a ela. O paciente precisa ser acompanhado, preferencialmente pelos mesmos profissionais, por longo período, criar vínculo, e a rotatividade dos médicos impacta diretamente nisso.
“O paciente deve estabelecer uma relação vitalícia com a unidade básica de saúde. Quanto mais o profissional conhece seu paciente, menos ele erra e maior é a taxa de satisfação, com resultados incríveis, gerando economia para o sistema de saúde. Todo mundo ganha”.
O estudo também analisou a oferta da cobertura de ações básicas de saúde nos pontos de atenção primária, como vacinação, atendimento pré-natal e controle de doenças crônicas. Nesses quesitos, a questão econômica se inverte em alguns aspectos.
Embora nenhum estado tenha atingido a meta do Ministério da Saúde para o controle de diabetes e de hipertensão, que é de 50% dos pacientes com consulta e acesso à hemoglobina glicada solicitadas, o Ceará ficou com o melhor índice nos dois quesitos (43% diabetes e 47% hipertensão), seguido por Alagoas (45% e 42).
Já estados mais desenvolvidos, como São Paulo e o Distrito Federal ficaram na rabeira da meta de diabetes, com 19%, e Rio de Jairo e São Paulo entre os piores no tratamento da hipertensão, com 24% e 26%.
De acordo com os pesquisadores, o período pandêmico, as subnotificações e a qualidade tecnológica de alguns bancos de dados públicos podem ter levado impacto às estatísticas.
“A gente precisa que o profissional de saúde insira a informação, que ele declare o que atendeu, o que ele solicitou. A gente precisa que as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) sejam informatizadas. Na ponta, a gente trabalha muito e, por enquanto, isso não está se refletindo na realidade”, declarou a médica Marcella Abunahman.
Também na vacinação infantil para crianças abaixo de um ano, nenhuma unidade da federação conseguiu atingir a meta de cobertura de 95%. Alagoas ficou entre os destaques, com 87%, e, na outra ponta, o Amapá, com 55%.
Na avaliação de Marcella, “a gente viveu momentos tenebrosos de negacionismo, em que de repente a questão da vacinação foi colocada em dúvida e houve uma parte da população que realmente abraçou esse comportamento, que é um comportamento de risco, que não condiz com elevadas práticas de saúde”.
De acordo com a análise, o melhor indicador nacional de atenção primária à saúde ficou com o atendimento pré-natal, com todos os estados atingido a meta do Ministério de Saúde para a cobertura de 45% das gestantes com até seis consultas. Em Alagoas o índice chegou a 65%.
O principal objetivo do estudo, na avaliação de Pedro Ximenez, cientista de dados da Superintendência de Estatísticas Públicas do FGV IBRE, e responsável pelo levantamento das informações, é guiar planejamentos estratégicos e formulação de políticas públicas mais eficazes na atenção primária.
Todas as informações organizadas pelo estudo poderão ser acessadas livremente, por todos os públicos, nos próximos dias, em um painel interativo chamado Observatório de Saúde Pública. A expectativa é que a ferramenta auxilie na visualização de tendências e no planejamento estratégico para aprimoramento dos serviços na atenção primária de saúde.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde
noticia por : UOL