Candidato à presidência e defensor de “paredão” para a direita: quem é o comunista que orientou a juíza do caso Léo Lins

Uma cena emblemática, e que ilustra a inclinação de certos setores da esquerda para o radicalismo, completa dez anos neste sábado (7). 

Em junho de 2015, durante um congresso da Central Sindical Popular — mais conhecida como Conlutas —, o sociólogo e historiador paulista Mauro Iasi resolveu parafrasear um poema do dramaturgo alemão (e marxista) Bertolt Brecht (1898-1956) para mandar um recado à direita brasileira. 

“Nós estamos dispostos a oferecer o seguinte: um bom paredão, onde vamos colocá-lo na frente de uma boa espingarda, com uma boa bala e vamos oferecer depois de uma boa pá, uma boa cova. Com a direita e o conservadorismo nenhum diálogo, luta!”, disse Iasi, candidato a presidente da República, no ano anterior, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). 

A fala, aplaudida com entusiasmo pela plateia, motivou uma grande controvérsia na época. A ponto de o então deputado federal Jair Bolsonaro protocolar uma representação acusando o professor “pela evidente prática de crime contra a segurança nacional e a ordem política e social”. 

Nesta semana, o discurso de Mauro Iasi voltou à tona, resgatado graças a uma conexão com a decisão judicial que condenou o humorista Léo Lins a oito anos de prisão por piadas contadas num show de comédia. É que a juíza do caso, Barbara de Lima Iseppi, foi orientada por Iasi em seu trabalho de conclusão de curso na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, em 2006. 

Intitulado “Direito, Mídia e Ideologia”, o TCC discute a influência dos meios de comunicação de massa nas sociedades, seu papel na formação da opinião pública e sua relação com o ordenamento jurídico e os sistemas de pensamento político. Tudo de acordo com uma interpretação marxista clássica, como aponta a advogada Anne Dias, comentarista política do programa “Café com Gazeta”, do canal da Gazeta do Povo no YouTube. 

Julgamento x ativismo 

“Com esse histórico, não surpreende o viés da sentença”, afirma Anne, referindo-se à orientação e influência de Mauro Iasi no TCC de Barbara Iseppi. Segundo ela, o texto de 2006 apresenta uma “leitura do mundo dividido entre opressores e oprimidos, onde até a imprensa é vista como inimiga da justiça social”. 

Essa visão, diz Anne, reaparece com clareza na sentença sobre Léo Lins. De acordo com a comentarista, a juíza trata o humor como ferramenta de manutenção das “hierarquias sociais” e divide a sociedade em sistemas de opressão — racismo, classismo, machismo. “Como se tudo fosse uma luta permanente entre opressores e vítimas. Isso não é julgamento, é ativismo”, afirma.

Anne Dias também chama a atenção para um trecho em que a magistrada comenta o conceito jurídico de animus jocandi — a intenção de fazer humor, geralmente capaz de excluir o crime de injúria. 

Segundo Iseppi, “a expressão latina que se refere à intenção de causar humor ou diversão é de uma época em que piadas ‘politicamente incorretas’, com referências a uma lista sem fim de vítimas (negros, membros da comunidade LGBTQIA+, judeus, muçulmanos, católicos, ateus, loiras, deficientes, gordos) eram admitidas/toleradas sob o fundamento da liberdade ilimitada do humor”. 

Para Anne, a juíza afirma, no recorte acima, que esse tipo de piada era aceito no passado, porém deixou de ser porque o “clima social” mudou. E assim a sentença sugere que cabe ao Judiciário se adaptar a essa nova sensibilidade coletiva. “É a cultura do cancelamento virando jurisprudência”, diz. 

Metáfora e ironia 

De volta a 2015. Após o episódio no congresso da Conlutas, Mauro Iasi acusou a direita de reagir violentamente contra ele nas redes sociais. As ameaças, segundo Iasi, incluíam desejos de vê-lo fuzilado, ameaças à sua família, insultos homofóbicos e vários envios da foto icônica do cadáver de Che Guevara (após ser capturado e morto por militares bolivianos). 

Segundo o historiador, seu discurso foi uma metáfora, uma ironia. E a resposta das pessoas na internet apenas provou — “de maneira didática”, nas palavras dele — que não é mesmo possível dialogar com os direitistas. 

Os chamados movimentos sociais também aproveitaram a situação para conectar as ameaças virtuais a Iasi com o crescimento do campo conservador no Brasil. Ente eles o MST, que, a exemplo de outras entidades do gênero, emitiu uma nota em solidariedade ao sociólogo. 

“Repudiamos manifestações de ódio de classe que, apesar de absurdas, incitam a violência contra as lutadoras e os lutadores de diversas causas sociais, bem como naturalizam o assassinato em massa de jovens, pobres e negros nas periferias deste país”, afirmava o texto. 

“Café Bolchevique” 

Professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mauro Iasi, de 65 aos, hoje destila suas ideias principalmente no YouTube, onde marca presença constante em canais de esquerda como Faixa Livre e TV Boitempo — neste último, mantido pela editora homônima, ele apresenta uma atração que leva o sugestivo nome de “Café Bolvechique” 

“Nesse quadro mensal, nosso comunista de carteirinha discute conceitos-chave da tradição marxista a partir de reflexões sobre acontecimentos da conjuntura política e social recente no Brasil e no mundo”, diz a sinopse. 

Sua militância, no entanto, não começou na academia (Iasi passou por diversas instituições de ensino superior do país) e no meio editorial (ele tem meia dúzia de livros publicados, incluindo coletâneas de poemas) — áreas em que se projetou. 

Ainda nos anos 1970, Iasi participou do movimento estudantil e de grupos de teatro amador que montavam peças de cunho político proibidas pelo regime militar. Em 1979, filiou-se ao PCB, porém logo saiu para entrar no PT, do qual é considerado um dos fundadores. 

Menos de 1% dos votos 

Iasi retornou ao PCB em 2004, alegando divergências com os petistas quanto à governabilidade no primeiro mandato de Lula como presidente. Para ele, o PT se acomodou, e continua se acomodando, ao presidencialismo de coalização. 

O resultado dessa postura conciliadora, de acordo com o sociólogo, é um partido refém dos interesses do “grande capital”, distante de sua base social e incapaz de promover reformas reais. 

Em 2006, Mauro Iasi foi candidato a vice-governador de São Paulo, na coligação encabeçada por Plínio de Arruda Sampaio (1930-2014), do PSOL. A dupla ficou em quarto lugar na disputa, com menos de 2,5% dos votos (a vitória ficou com a chapa “puro sangue” do PSDB, com José Serra e Alberto Goldman). 

Mesmo sem exercer um mandato eletivo ou qualquer cargo na administração pública, Iasi foi o candidato do PCB nas eleições presidenciais de 2014. Suas propostas traziam medidas como a reversão das privatizações e a estatização de setores estratégicos (energia, comunicação, mineração, recursos naturais, transporte e logística de distribuição e produção). 

Também estavam na pauta o calote da dívida pública, nenhum repasse para a iniciativa privada, direito ao aborto, redução da maioridade penal e descriminalização do uso de drogas ilícitas. Ao final do primeiro turno, vencido por Dilma Rousseff, o comunista amargou a décima colocação entre os 11 concorrentes, com uma porcentagem de 0,05% dos votos.

Contra o conservadorismo 

Em seus textos e aparições no YouTube, Mauro Iasi muitas vezes aponta sua crítica para um campo político que, segundo ele, funciona como um instrumento a serviço dos interesses da classe dominante na sociedade capitalista: o conservador. 

Na opinião de Iasi, o conservadorismo é uma “expressão do senso comum”, associada a características como nacionalismo extremo, pragmatismo imediatista, irracionalismo, elitismo e preconceito. Esta última é utilizada pelo professor para estabelecer uma relação entre conservadores e fascistas. 

“Há um aspecto que deriva, tanto do nacionalismo, como do imediatismo e do irracionalismo apaixonado: o preconceito. Todo fascista e a maioria dos conservadores têm que desembocar, mais cedo ou mais tarde, em algum tipo de supremacia que justifique sua ação”, afirma, em um artigo de 2015 para o site da editora Boitempo. 

No mesmo texto, ele despreza as estratégias políticas que buscam um pacto social para realizar reformas graduais, no longo prazo — pois abandonam a perspectiva da ruptura revolucionária e não enfrentam o conservadorismo como deveriam. 

Para Mauro Iasi, não basta mudar o sistema: é preciso derrubá-lo. Esperamos que apenas com política (e metáforas). 

A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com Iasi para solicitar uma entrevista, mas não obteve retorno até a conclusão deste texto. 

noticia por : Gazeta do Povo

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