Corrupção: por que tem sempre uma Ferrari no meio?

Acompanhando o mais recente escândalo de corrupção num governo petista, aquele dos 6 bilhões desviados do INSS e descontados da aposentadoria de gente que na maioria das vezes recebe apenas um salário mínimo, me deparei com a imagem dela: a Ferrari. Porque em todo escândalo de corrupção tem sempre uma Ferrari apreendida. Pode reparar. E não é por acaso, como pretendo desenvolver neste texto.

No caso atual, a Ferrari apreendida juntamente com Porsches, Rolls Royces e BMWs é uma 812 GST, avaliada em R$5 milhões. Isso mesmo. O carro de cinco milhões de reais(!) estava no Ceará, por onde um sujeito que atende pela alcunha de “Careca do INSS” (mais um careca para manchar a nossa imagem perante a opinião pública, Alexandre!) circulava todo feliz entre miseráveis. E aqui já há algo digno de nota.

Make ostentação vulgar again

O que leva uma pessoa a gastar o dinheiro obtido ilegalmente, à custa de velhinhos, com um objeto tão chamativo quanto uma Ferrari? Claro que a certeza da impunidade é uma das explicações, mas não a única. Me parece que a ostentação de artigos de luxo, antes considerada cafona e vulgar, hoje não só é aceita como estimulada. Uma Ferrari, pois, é um sinal de poder e principalmente da esperteza e intocabilidade de alguém que certamente venceu na vida. Só não se sabe à custa de quê.

Indo mais além, ou tão além quanto me é permitido nestas breves linhas, me parece que há algo de intrinsecamente corrupto (no sentido amplo da palavra) no desejo por esses objetos de luxo inalcançáveis aos pobres, honestos e mortais – essa gente que insistimos em acreditar que a vida é mais, muito mais, do que acumular dinheiro. E nada exemplifica melhor esse desejo pervertido, essa sujeição à ambição desmedida, do que uma Ferrari: o bezerro de ouro preferido dos corruptos.

Melhor do que os outros

Talvez por isso a corrupção (agora no sentido restrito da palavra) nos revolte mais do que um roubo “normal” nos revoltaria. Sim, tem um lado de inveja. Aquela coisa de “não me convidaram para participar da mutreta”. Mas tem algo mais a nos revoltar nessa história: a certeza de que o dinheiro da corrupção nunca, jamais, em hipótese alguma será usado para saciar a fome de quem tem fome nem para fazer qualquer espécie de bem. Nunca.

O dinheiro da corrupção foi, é e será sempre usado para saciar esses desejos fúteis, associados à vaidade e ao orgulho. Afinal, para que serve uma Ferrari se não para mostrar que você é melhor do que os outros em alguma coisa, qualquer coisa, inclusive em roubar aposentados? Ferrari, Porsche e Rolls Royce, sim, mas também bolsas e relógios e até mansões nas quais você, graças à sua esperteza e astúcia (no pior sentido dessas palavras), vai poder curtir uma prisãozinha domiciliar confortável, ainda que não exatamente tranquila.

Bezerro de ouro

Porque o corrupto, mesmo a 340km/h numa estradinha qualquer de Quixeramobim, sabe que um dia haverá de prestar contas de todo o mal que fez a seus semelhantes em troca do duvidoso privilégio de adorar um bezerro de ouro com 800 cavalos de potência, bancos em couro de crocodilo, painel em madeira de jacarandá e volante cravejado de brilhantes.

Donde concluo que nem todo mundo que tem uma Ferrari é corrupto (no sentido restrito), claro. Às vezes a pessoa tem apenas sorte e um senso de prioridade muitíssimo mal calibrado – o que é corrupção, no sentido amplo. Mas todo corrupto sonha em ter, faz o que faz para ter, tem, continua tendo por um tempo, uhu, eu sou invencível!, deixa eu roubar mais um pouquinho – e depois perde a sua Ferrari para a Polícia Federal.

Nem toda Ferrari, mas sempre uma Ferrari

E só para não dizerem que estou implicando com a marca do cavalinho: nos últimos dez anos, Ferraris foram apreendidas em várias ações contra a corrupção, entre elas a Operação Integration (2024), Operação Miqueias (2013), Operação Politeia (2015), Operação Maranello (2009), Operação Mãos Limpas (2010), Operação Hammare (2024), Operação Oceano Branco (2017) e Operação Joias do Oceano (2019).

noticia por : Gazeta do Povo

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