Difundida no Brasil pelo ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, a tese do racismo estrutural rapidamente foi aceita e assimilada por diferentes setores da sociedade — a ponto de ser encarada como uma verdade à prova de questionamentos.
Seu arraigamento é tão profundo, que mesmo uma instituição como o Senado Federal, a câmara mais alta do parlamento do país, oferece um curso praticamente todo baseado nas ideias de Almeida. E o mais grave: com um conteúdo que sequer estimula a reflexão crítica ou o debate acerca do tema.
Disponível gratuitamente na plataforma Saberes (saberes.senado.leg.br), o ambiente virtual de aprendizagem do Senado, o treinamento é fruto de uma cooperação entre o Instituto Legislativo Brasileiro e a Universidade Zumbi dos Palmares — que se apresenta como “um espaço de pesquisa e ensino focado em romper com narrativas tradicionais e excludentes”.
Segundo a ementa, o curso busca mobilizar os alunos para combater o preconceito por meio do conhecimento e contextualização do racismo estrutural. Ou seja: todos devem aceitar que a discriminação racial está em toda parte e funciona como um pano de fundo da vida cotidiana brasileira.
No entanto, em termos acadêmicos e científicos, o racismo estrutural é apenas mais uma teoria para interpretar a realidade, como explicam as sociólogas Geisiane Freitas e Patrícia Silva no livro “O que Não te Contaram Sobre o Movimento Antirracista” (2023, selo Avis Rara).
“O racismo estrutural é apenas mais uma teoria produzida dentro das Ciências Sociais Aplicadas, que pode ser submetida a discordâncias e concordâncias da comunidade acadêmica e dos participantes do debate público”, dizem as autoras.
Segundo elas, o termo se tornou tão cotidiano que “parece ser algum produto da natureza”. “A maioria das pessoas, tão imersas no discurso hegemônico dos intelectuais, da mídia e dos ativistas, não faz uma pergunta muito simples: existe mesmo racismo estrutural?”
Conteúdo afirma que os negros são vítimas do “capitalismo digital”
Elaboradas por uma conteudista da universidade, as aulas têm como pilar central citações da produção acadêmica de Silvio Almeida (doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito). As outras referências, salpicadas aqui e ali, vêm de figuras cuja atuação no meio intelectual é marcada pela militância de base marxista — nomes como Kabengele Munanga, João José Reis, Sueli Carneiro e Ricardo Antunes.
São quatro módulos: “Fundamentos para entender o racismo estrutural no Brasil”, “Ações políticas e a resistência negra”, “Mecanismos e manifestações cotidianas” e “As diferentes formas de racismo e a luta antirracista no Brasil”.
Este último traz uma unidade inteiramente dedicada à “uberização do trabalho”.
O modelo, criado a partir das novas tecnologias virtuais, surge no curso como um exemplo moderno de exploração — se antes os negros eram escravizados, agora eles são vítimas do capitalismo digital. A narrativa é simplória: o trabalho está precarizado porque o racismo estrutural determinou que seja assim.
Sem tutoria, o que exclui qualquer possibilidade de discussão entre os participantes, os módulos terminam com exercícios de fixação que trazem perguntas óbvias de múltipla escolha e verdadeiro ou falso. Essa metodologia torna o material semelhante a um manual de doutrinação, sem qualquer espaço para uma abordagem que traga à tona a complexidade dos fatos.

Treinamento ignora contrapontos à tese do racismo sistêmico
Não espere, portanto, contrapontos embasados nos estudos de pensadores como Thomas Sowell e Glenn Loury — economistas negros americanos conhecidos por suas críticas ao conceito de racismo sistêmico ou estrutural.
Em linhas gerais, os dois argumentam que as diferenças de desempenho econômico entre grupos raciais não podem ser atribuídas apenas à discriminação. Eles inclusive comparam segmentos populacionais minoritários de diversos países para mostrar que certos padrões de ascensão social independem do contexto racial.
Ambos também acreditam que as políticas identitárias (como cotas e reparações) perpetuam a dependência do estado e limitam o progresso das minorias — pois reduzem a motivação para a meritocracia. Sowell e Loury ainda alertam para os perigos da psicologia do vitimismo, que impede a reflexão sobre perspectivas alternativas de crescimento.
Em suma, intelectuais como Thomas Sowell e Glenn Loury reconhecem que o racismo existe, mas defendem a ideia de que ele não é o principal fator limitante para os negros atualmente. Segundo eles, a discriminação pode ser superada pela responsabilidade individual e mais investimentos na educação.
Curso reflete a fragilidade das ideias de Silvio Almeida
Ao ignorar outros debates relevantes sobre desigualdade e mobilidade social, o curso do Senado não demonstra apenas carecer de pluralidade acadêmica. Ele também reflete a principal fragilidade do conceito de racismo estrutural, segundo seus críticos: a completa ausência de propostas para a solução do problema.
A única sugestão é substituir expressões consideradas preconceituosas (“a coisa tá preta”, “mercado negro”, “feito nas coxas”) por alternativas neutras. Como se a mudança de vocabulário, na forma de censura linguística, tivesse algum efeito no combate ao racismo.
O simples diagnóstico da existência de um suposto “sistema opressor” paralisa qualquer debate sobre a transformação da realidade. E o que parece ser somente uma limitação conceitual, na verdade é a grande estratégia dos ativistas: repetir uma narrativa de vitimização para divulgar livros, palestras e cursos — como o elaborado pela Universidade Zumbi dos Palmares para o Senado Federal.
noticia por : Gazeta do Povo