Historicamente, 95% do potássio utilizado no Brasil é importado, sendo Rússia e Belarus dois fornecedores tradicionais, ao lado do Canadá. Em 2022, com as dúvidas sobre a continuidade do fornecimento após a guerra na Ucrânia, os preços dispararam no mercado internacional, e estimularam a criação do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF).
À época, a tonelada do cloreto de potássio usada como referência na agricultura brasileira saltou de menos de 300 dólares para mais de 1.200 dólares, lembra Tomás Pernías, analista de inteligência de mercado de fertilizantes da StoneX.
Naquele momento, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro determinou a autossuficiência como prioridade, buscando alternativas, incluindo a mineração do material em terras indígenas. O principal projeto neste sentido fica no Amazonas, na região de Autazes, e é alvo de disputas jurídicas.
Outro impasse para a exploração desse mineral são os altos custos iniciais e a rentabilidade alcançada apenas em longo prazo. A queda nos preços internacionais pode ainda desestimular os investimentos em novos projetos, contribuindo para manter o domínio dos detentores tradicionais do mercado.
Normalização do mercado
Após a incerteza inicial, ao longo de três anos de guerra, os preços passaram por uma “normalização”, o que também ocorreu com uma série de outras commodities, explica Pernías. “Ao longo de 2023 e 2024, o mercado percebeu que os fluxos do comércio seguiram no mesmo patamar de 2020”, aponta o especialista. Como resultado, ele cita que a cotação da tonelada de potássio no mercado brasileiro está atualmente perto de 300 dólares, um nível próximo do período antes da crise.
A Rússia seguiu como um fornecedor importante para o Brasil, sendo a maior fonte de adubo e fertilizantes químicos do país. Em 2024, 25,7% do que o país adquiriu teve origem russa, com um avanço de quase 20% com relação ao ano anterior, de acordo com dados da Comex Stat, atingindo patamares semelhantes aos de antes da guerra.
Houve, no entanto, uma notável queda das importações de Belarus. Pernías atribui o cenário às sanções que o país sofreu depois da eleição presidencial em 2020, na qual há indícios de fraude para que Alexander Lukashenko se mantive no poder. Ele governa o país desde 1994.
Autossuficiência nacional
Apesar das mudanças no quadro internacional e no governo brasileiro, os projetos para aumentar a exploração de potássio no país seguiram. No ano passado, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, defendeu o avanço da extração em Autazes. “Potássio é mina, eu não escolho, é natureza. É fundamental para a produção de alimentos. Existe tecnologia para que isso seja feito com sustentabilidade. Estou confiante que teremos uma boa solução, que vai gerar riqueza e trazer segurança alimentar”, afirmou.
A expectativa é de que o projeto possa suprir até 25% da demanda brasileira. O estudo A crise dos fertilizantes no Brasil: da tragédia anunciada às falsas soluções, realizado pelo departamento de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra que 11% do total das reservas na Bacia do Amazonas se encontram em terras indígenas. Além disso, quase 80% dos recursos se encontram fora da Amazônia, com Minas Gerais possuindo 75% das reservas.
Segundo Bruno Manzolli, um dos autores do estudo, o grande empecilho para a exploração em Minas Gerais são os limites tecnológicos, enquanto a extração em Autazes, em tese, se apresenta como mais fácil. Outra questão também observada são as distâncias do polo agropecuário, o que faz com que reservas como as de Sergipe, outro estado com jazidas relevantes, se tornem menos atrativas.
Conflito em Autazes
Em Autazes, a mineração entra em conflito com o povo indígena Mura, já que as jazidas se encontram em território ocupado pela população. Os temores são de que os indígenas sejam obrigados a abandonar as terras, além dos efeitos negativos para o meio ambiente na região. O relatório anual de 2023 do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil destaca o caso como uma das explorações que mais tiveram disputas agravadas recentemente no país.
Um dos autores do estudo, Luiz Jardim, professor do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), pontua ainda as acusações de cooptação de lideranças indígenas como um mecanismo para ocupar as terras. Além disso, sobre as promessas de prosperidade para a região, Jardim lembra que, muitas vezes no Brasil, a “geração de emprego e renda costuma ser limitada, e não incluindo os indígenas”.
Em abril do ano passado, o governo do Amazonas concedeu a primeira licença ambiental para instalação da infraestrutura de exploração de potássio em Autazes. Em agosto, o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) solicitou à Justiça Federal a apreciação urgente de um pedido contra a exploração.
A ação do MPF destaca que, apesar de a empresa alegar que as terras afetadas foram adquiridas, o processo de compra foi marcado por coação e ameaças aos indígenas, além de não considerar adequadamente o uso tradicional dessas áreas pelas comunidades locais.
O projeto, cujo custo é estimado em mais de 2,5 bilhões de dólares, é tocado pela Brazil Potash, controladora da Potássio do Brasil. A empresa espera oferecer a extração ao mercado a partir de 2029. Questionada sobre ação do MPF, a Potássio do Brasil afirmou à DW que não comenta decisões judiciais ou questões judicializadas e ainda não finalizadas.
Em janeiro, após se reunir com lideranças da Brazil Potash, o governador do Amazonas, Wilson Lima, afirmou que o estado dará “todo o apoio” para a execução do projeto. “O nosso principal objetivo é promover o desenvolvimento social, gerando empregos, garantindo a preservação do meio ambiente e dialogando com os povos originários”, disse.
Autor: Matheus Gouvea de Andrade
noticia por : UOL