Faltam dados padronizados e transparentes sobre hospitais no Brasil

Qual o melhor hospital do Brasil? Não existem indicadores de qualidade publicados de forma clara, sistemática, transparente e comparável para dar uma resposta conclusiva a essa pergunta.

Dados sobre o desempenho dos hospitais em aspectos como segurança do paciente, efetividade clínica e eficiência nos processos ainda não estão disponíveis em bases públicas e padronizadas. Em geral, são tratados como sensíveis ou confidenciais por muitas instituições.

Essa opacidade compromete as escolhas das pessoas sobre serviços de saúde e as levam a se basear em critérios muito subjetivos, como na preferência do médico particular, na opinião de alguém que foi bem atendido em determinado lugar, no conforto das instalações ou nas ações de marketing do hospital.

Indicadores assistenciais hospitalares englobam várias métricas, como taxas de infecção hospitalar, de mortalidade ajustada por risco, de reinternação, de eventos adversos evitáveis, de adesão a protocolos clínicos e do tempo médio de internação.

Esses parâmetros são amplamente utilizados em países que priorizam a transparência e a prestação de contas na saúde (accountability), como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Alemanha.

O físico, escritor e consultor Clemente Nóbrega, especialista em inovação em saúde, faz uma provocação. “Caso eu venha a ter algum diagnóstico oncológico, como poderei tomar uma decisão informada sobre onde me tratar? Não me falem de instalações, aparelhos, robôs, médicos ‘estrelas’. Falem-me de resultados de tratamentos para minha condição específica.”

Ele cita o exemplo do câncer de próstata. “Quais desses super ‘câncer centers’ apresentam as melhores taxas de sobrevivência nessa condição após cinco anos da remoção do tumor? Em quais deles as taxas de impotência sexual são menores após um ano? E de incontinência urinária?”

Aqui, Nóbrega trata dos chamados desfechos em saúde, um tipo de indicador que mostra o resultado final do tratamento que o paciente recebeu. Responde a perguntas como: ele se recuperou bem? Houve complicações? Precisou voltar ao hospital depois de receber alta? Ficou com sequelas?

Hoje, mesmo quando essas informações existem, são de difícil acesso e carecem de padronização metodológica, o que torna praticamente impossível a comparação entre diferentes hospitais.

Há uma forte resistência à abertura dos dados por parte dos hospitais, com justificativas que vão desde a proteção da imagem institucional até a alegada falta de capacitação da população para interpretá-los. Ao mesmo tempo, não existe norma que os obrigue a divulgar essas informações.

A falta de transparência também afeta a gestão da qualidade em saúde. Sem dados disponíveis para análise externa, não há um mapeamento preciso de todos os gargalos que precisam ser estudados e corrigidos e muito menos estímulo efetivo à melhoria contínua. Dessa forma, não se pode premiar boas práticas ou penalizar desempenhos insatisfatórios.

Hospitais com performance ruim podem continuar operando sem pressões por mudança, enquanto aqueles que investem em segurança e eficiência deixam de ser reconhecidos. Além dos riscos ao paciente, isso reduz o potencial transformador de políticas públicas baseadas em evidências.

Em 2016, um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do Iess (Instituto de Estudos da Saúde Suplementar) identificou que, por ano, 302,6 mil vidas são perdidas no país por eventos adversos dentro de hospitais, como erros de dosagens de medicamentos, quedas do leito e infecções evitáveis. O custo médio anual dessas falhas foi estimado em R$ 10,9 bilhões.

A intenção do estudo foi promover a transparência das informações e dos indicadores de qualidade assistencial e de segurança do paciente, mas pouca coisa avançou desde então. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), por exemplo, avalia o desempenho das operadoras de saúde, mas não o dos prestadores de serviços, como os hospitais.

A ausência de dados comparáveis impede ainda a alocação estratégica de recursos e dificulta o avanço de modelos de remuneração baseados em valor, cada vez mais adotados internacionalmente.

Há boas iniciativas em curso, mas ainda de alcance limitado. É o caso do Sistema de Indicadores Hospitalares da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), criado há 17 anos, que conta com 265 indicadores organizados em quatro eixos: assistência, gestão de pessoas, desempenho econômico-financeiro e de sustentabilidade.

Hoje, o sistema reúne 176 hospitais privados associados, 27 não associados e outros 50 públicos. Em abril último, o governo paulista firmou um acordo para que os 107 hospitais estaduais também integrem o sistema. Na primeira etapa, serão 30 indicadores, como a média de permanência dos pacientes nas UTIs e a taxa de conversão de atendimentos de emergência em internações.

A iniciativa conta ainda com outras parcerias públicas com o Ministério da Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, a Confederação das Santas Casas e o complexo de institutos que compõem o Hospital das Clínicas de São Paulo.

Cada hospital tem acesso a relatórios individualizados, consegue comparar o seu desempenho com a média das demais instituições, o que permite identificar se os resultados estão no mesmo patamar, acima ou abaixo dos outros. Os pacientes, porém, não têm acesso a essas informações.

Segundo Antonio Brito, diretor-executivo da Anahp, para tornar essas informações públicas é preciso garantir que o que é medido nas instituições seja feito de forma igual. “Estamos na fase de padronização e de estímulo para que os hospitais mostrem seus resultados. Como pacientes temos o direito de saber quantas estrelas, entre aspas, tem o hospital.”

Para estudiosos do assunto, o país precisa de uma política nacional de transparência em saúde, que reúna regulação, tecnologia e mudança cultural. O primeiro passo seria a definição, por parte do Ministério da Saúde e da ANS, de um conjunto mínimo de indicadores assistenciais que devem ser obrigatoriamente coletados e publicados por todos os hospitais.

Esses dados precisariam ser auditados por órgãos independentes, organizados com base em critérios científicos e disponibilizados em plataformas públicas, de fácil acesso e compreensão. A padronização metodológica, como mencionou Britto, é outro ponto fundamental.

Para que os indicadores possam ser comparáveis e úteis em decisões clínicas e administrativas, é necessário que haja consenso sobre as definições, formas de cálculo e periodicidade de cada indicador. A experiência internacional mostra que isso é possível por meio de diretrizes nacionais, sistemas de avaliação por pares e uso intensivo de tecnologias digitais de informação.

Sistemas de prontuário eletrônico interoperáveis e capacitação dos profissionais de saúde para que possam interpretar os indicadores de forma crítica e utilizá-los na melhoria dos processos assistenciais também são peças fundamentais.

Por fim, mas não menos importante, é preciso promover a educação em saúde da população, para que os dados sejam compreendidos e não distorcidos. Seria mais uma frente de grande valia na luta contra a desinformação, já classificada pela OMS como uma das principais ameaças à saúde global.

noticia por : UOL

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