Riqueza começa com um pingo

Imagine que você está com uma garrafa de vinho guardada. O plano era abrir em uma ocasião especial, mas os anos passam e ela continua lá. Um dia, ao finalmente abri-la, você descobre que virou vinagre. O tempo, que deveria aprimorar o sabor, acabou estragando o que você quis preservar por tanto tempo.

Nas finanças, isso acontece com mais frequência do que se imagina.

Muitos falam sobre a inflação dos preços, mas há uma outra inflação que raramente entra no radar: a inflação do tempo. Ela ocorre quando deixamos para depois decisões importantes, acreditando que temos o controle do relógio. Só que o tempo, assim como o dinheiro, perde valor quando mal aproveitado — e, diferente do dinheiro, não pode ser recuperado.

Jean-Paul Sartre dizia que “o tempo é um luxo que não podemos comprar”. Para Sêneca, “não é que temos pouco tempo, é que perdemos muito dele”. Já Kierkegaard nos lembrava que a vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas precisa ser vivida olhando para frente. Em finanças, esses três pensamentos se encontram em um ponto: a procrastinação custa caro — e o arrependimento é sempre com juros.

Todos nós já dissemos um “vou pensar com calma” diante de uma oportunidade. Pode ter sido uma estratégia de investimento que parecia ótima, mas você teve medo, um imóvel na planta em um bairro que depois valorizou, ou uma previdência privada com benefício fiscal que hoje teria dobrado de valor. Dez anos depois, a cena volta à memória com o famoso “se eu tivesse feito aquilo lá atrás…”. Mas o tempo não espera — e as oportunidades também não.

Adiar decisões de investimento é como uma torneira pingando. No momento, parece insignificante — um pingo aqui, outro ali. Mas o que parece pequeno no curto prazo vai se acumulando. Rios caudalosos nascem de nascentes discretas e gotejamentos persistentes. Do mesmo modo, um simples aporte mensal de valor modesto pode parecer irrelevante no presente, mas é justamente ele que constrói a base da riqueza futura. Ignorá-lo é como fechar os olhos para uma nascente achando que dela jamais sairá volume suficiente — até o dia em que se percebe que o rio poderia estar correndo há muito tempo.

Se você começou a investir tarde, sabe bem disso. Uma pessoa que aplica R$ 1.500 por mês durante 30 anos, a uma taxa de 0,7% ao mês (cerca de 9% ao ano), acumula mais de R$ 2,4 milhões. Se começar 10 anos depois, investindo o mesmo valor, terá menos da metade — cerca de R$ 929 mil. O tempo, nesse caso, é o fator mais poderoso da equação. Falei sobre ele no início da semana. Novamente, ignorar isso é como deixar uma torneira pingando: você só percebe o tamanho da perda quando a conta chega.

Mas nem sempre adiar é um erro. Quando falamos de consumo financiado, o tempo pode jogar a seu favor. Em um ambiente de juros altos, postergar a compra de um bem de alto valor pode ser uma escolha inteligente. Troque a compra financiada pela compra planejada. Assim, evita endividamento caro e permite que o dinheiro investido trabalhe por você, enquanto você se prepara. O tempo, nesse caso, atua como escudo.

Warren Buffett já disse que “alguém está sentado hoje à sombra porque alguém plantou uma árvore há muito tempo”. O dilema está aí: o tempo é um aliado para quem adia o consumo com propósito. Mas é um inimigo silencioso de quem adia o investimento por inércia.

Por isso, vale refletir: o que o seu tempo está fazendo por você hoje? Está amadurecendo decisões — ou deixando que oportunidades virem vinagre?

Amanhã, volto a esta coluna para falar sobre o produto de investimento que saiu, relativamente, mais beneficiado na proposta de alteração tributária anunciada nesta semana.

Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.

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noticia por : UOL

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