USP convoca audiência para regular o ciclismo no campus Butantã

Se ciclismo fosse respeitado no Brasil, o campus Butantã da USP poderia ser um dos maiores centros de treinamento do país. Estrutura não falta, tem até velódromo —único na cidade de São Paulo.

Infelizmente, dá para dizer que o velódromo da USP é o reflexo do ciclismo brasileiro: um monumento abandonado, corroído, usurpado, depenado, desprezado.

Não bastasse a decadência e interdição da pista, a administração da USP já tentou banir o ciclismo em todo o campus diversas vezes.

A primeira foi em abril de 2005, quando a Prefeitura do Campus vetou a circulação de ciclistas esportivos nos 60 km de ruas da Cidade Universitária —um oásis de segurança viária, localizado no meio do bairro Butantã, zona oeste da capital paulista.

A medida foi revogada no mês seguinte, após dois ciclistas morrerem atropelados enquanto treinavam em rodovias.

Em 2010, a universidade impôs o cadastramento obrigatório, com limitações de horário e local para treinamento.

Em 2011, ciclistas foram alvo de armadilhas feitas com pregos e tachinhas nas ruas do campus. Na época, a Folha publicou uma enquete após a Prefeitura do Campus voltar a falar em proibição. Com o título “Tachinha neles“, a editoria Cotidiano fez uma pergunta: “Você acha que esse tipo de treinamento deve ser proibido no local?” Dos 4.042 votos, 2.436 (60%) votaram não.

Em 2019, as restrições foram ampliadas. As novas regras valem até hoje. Ciclismo esportivo no campus Butantã só pode às terças, quintas e sábados, das 4h30 às 6h30.

Não precisa ter QI de politécnico para saber que não é seguro pedalar de madrugada em São Paulo. Quem inventou essa regra certamente não gosta de bicicleta e, provavelmente, costuma ir trabalhar no campus de carro.

Nas restrições de 2019 também foram impostas proibições a treinos em grupos com mais de quatro ciclistas e à circulação na rua do Matão, a via mais íngreme da Cidade Universitária. Trocando em miúdos, é a mesma coisa que proibir bola em jogo de futebol.

Agora a USP convoca uma audiência pública para “regular o ciclismo no campus Butantã”. Será nesta segunda (17), às 17h30, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

O comunicado diz que pretende construir soluções para todos e dá a entender que os problemas de segurança viária do campus são causados pelos ciclistas esportivos.

Sim, há ciclista perigoso que não respeita as regras de trânsito —tal qual motorista. Mas quem paga o pato?

Falta isonomia porque vivemos num modelo urbano que historicamente privilegia a ocupação dos espaços pelos carros. A USP, através da administração da Cidade Universitária, vergonhosamente tem replicado esse modelo. Quantos professores lecionam no campus Butantã? Desses, quantos vão trabalhar de carro? Quantos vão de ônibus? Quantos vão de bicicleta?

Mesmo com os melhores urbanistas do país, o que mais se vê por lá são carros e vagas para carros. Bicicleta e ônibus são, de longe, a minoria.

Restringir o ciclismo esportivo só piora essa situação. Qualquer vertente do ciclismo, seja de esporte, lazer ou transporte, só ajuda a difundir a paixão pela bicicleta e a ocupar a cidade com o veículo mais sustentável já inventado.

No templo da ciência, em tempos como o de hoje, encontrar soluções para expandir o uso da bicicleta deveria ser disciplina fundamental.


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noticia por : UOL

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