Defesas em trama golpista deixam sem resposta perguntas que vão de minuta a plano de assassinato

As defesas prévias entregues ao STF (Supremo Tribunal Federal) no caso trama golpista de 2022 deixam em aberto várias questões sobre os episódios que resultaram na denúncia de 34 pessoas pela Procuradoria-Geral da República.

A maior parte das peças foi protocolada pelos advogados desde a quinta-feira (6) e busca isentar seus clientes de participação em tentativa de ruptura institucional e se concentram no pedido de arquivamento devido a supostas ilegalidades processuais e cerceamento de defesa —além de questionar a isenção do ministro Alexandre de Moraes para relatar e julgar o caso.

Sobre o mérito, muitas dúvidas que pesam sobre os denunciados ficaram sem resposta, ao menos nessa fase.

Principal personagem do episódio, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) explora em sua defesa —na parte do mérito das acusações— a precariedade de indicativos de envolvimento direto dele nos ataques de 8 de janeiro de 2023 e na confecção e execução do suposto plano de assassinato de autoridades.

Sobre o ponto mais robusto que pesa contra ele, porém, o que envolve a chamada “minuta do golpe“, a defesa adota um tom dúbio. Não nega a existência, mas não a confirma claramente. Afirma apenas que, se existiu, foi amenizada por Bolsonaro e, mesmo assim, jamais assinada, não configurando crime.

“O que resta da denúncia, retiradas suas mais gritantes contradições, seria a minuta de decreto que, levada por outros, não foi assinada pelo peticionário [Bolsonaro]. Fosse possível confiar nas palavras do delator [Mauro Cid], a suposta minuta do decreto, jamais assinada, também não é ato capaz de ultrapassar o limite da preparação, jamais invadindo a esfera da execução dos chamados crimes contra as instituições democráticas”, diz a peça, assinada pela equipe de advogados comandada por Celso Vilardi.

Além da dubiedade, o principal ponto deixado em aberto é por que houve a discussão de, na melhor das hipóteses, decretos de exceção, o que envolveu reuniões com os comandantes das Forças Armadas, em um período em que não havia justificativa plausível para isso.

A “minuta do golpe” é o ponto da denúncia da PGR que reúne indicativos mais sólidos contra Bolsonaro.

Versões do documento foram encontradas na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, na sala em que Bolsonaro usa no PL e em dispositivo eletrônico de Mauro Cid, ex-chefe da ajudância de ordens e delator da trama.

Além dos documentos, mensagens apreendidas, a delação de Cid e os depoimentos dos então comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Baptista Junior, sustentam que essa minuta foi apresentada aos chefes das Forças Armadas, em busca de adesão.

A minuta também é um ponto central na peça apresentada pelo advogado do general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa de Bolsonaro.

De acordo com depoimentos, coube a Nogueira apresentar uma versão do documento em 14 de dezembro de 2022 aos comandantes das três Forças. Freire Gomes e Baptista Junior teriam refutado a proposta.

A defesa de Paulo Sérgio confirmou a reunião na peça apresentada ao STF, mas negou que o encontro tivesse o objetivo de pressionar os comandantes a aderir a um golpe. Para isso, usa os depoimentos de Freire Gomes e de Baptista Jr. no sentido de que suas recusas não foram contestadas pelo ministro da Defesa.

A peça assinada pelo advogado Andrew Fernandes Farias, porém, não apresenta a motivação que teria levado Nogueira a reunir os chefes militares para lhes apresentar a minuta. Apenas faz conjecturas sobre possíveis motivos.

“Indaga-se: não seria importante que o ministro da Defesa sondasse os comandantes com o intuito de manter a unidade das Forças Armadas evitando qualquer aventura de ruptura?”, afirma a defesa. “Se uma minuta de decreto tinha sido confeccionada, não seria prudente que o general Paulo Sérgio conversasse com os comandantes sobre o documento que continha a ‘doidera’ para que os comandantes estivessem cientes?”

Um outro capítulo da denúncia da PGR também se mantém com questões em aberto na defesa prévia dos acusados: o plano Punhal Verde Amarelo, que teria sido gestado com o intuito de assassinar autoridades da República, entre elas a chapa eleita e Moraes.

Personagem central desse ponto da trama, o general Mário Fernandes, então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, diz em sua defesa que não apresentou o plano a ninguém.

A versão contraria a investigação da Polícia Federal. Segundo a apuração, Mário apresentou o plano para o tenente-coronel Rafael de Oliveira em 6 de dezembro de 2022. O militar seria o responsável por planejar o ataque a Moraes.

A peça assinada, entre outros, pelo advogado Marcus Vinicius Figueiredo, não traz também as razões pelas quais o documento foi criado pelo general nem por que foi impresso por mais de uma vez no Palácio do Planalto.

Os advogados de Mario Fernandes também não fazem menção à minuta de decreto encontrada pela Polícia Federal em seu computador que detalhava a montagem de um gabinete de crise que iria gerir o país após a quartelada.

Já a defesa de Marcelo Câmara —coronel da reserva e assessor de Bolsonaro—, responsável por passar a Cid informações sobre o paradeiro de Moraes, diz ter havido apenas “acompanhamento por fontes abertas/google”, não um monitoramento, e que isso não configura crime.

O escritório Kuntz Advocacia não explicou no documento, porém, por que o então assessor de Bolsonaro realizava essa tarefa e a repassava a Cid.

Outra lacuna presente nas defesas entregues ao STF diz respeito a Augusto Heleno, então chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

A defesa do general diz haver precariedade de provas e de indicativos da participação de Heleno em tentativa de golpe, destacando trecho da delação de Cid em que o tenente-coronel diz não ter presenciado nenhuma ação “operacional ou de planejamento” de golpe por parte de Heleno.

A peça assinada pelo advogado Matheus Mayer Milanez, entretanto, diz terem sido tiradas de contexto falas de Heleno na reunião ministerial promovida por Bolsonaro em 5 de julho de 2022, mas não menciona qual seria o contexto correto, em sua visão.

Na reunião, Heleno defendeu que o que tivesse que ser feito, teria que ser feito naquele momento. “Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”, disse na época o então chefe do GSI, acrescentando ainda que era preciso “agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas”.

noticia por : UOL

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